Entre todas as semanas do ano, a mais importante para os cristãos é a Semana Maior, que foi santificada pelos acontecimentos que a liturgia celebra, da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor – o Mistério Pascal.
A peregrina do séc. V, Eteria, começa a sua relação da semana santa em Jerusalém escrevendo: «O dia seguinte, domingo, é o começo da semana da Páscoa ou Semana Maior, como a chamam aqui».
De facto, esta semana é o coração e o centro de toda a liturgia anual, nela se celebra o mistério da redenção, o grande sinal do amor de Deus salvador. «A Páscoa é o cume», assim resume esta festa um escritor dos primeiros séculos.
O cristão entra nesta Semana com o espírito de paz interior e recolhimento. A Quaresma foi um tempo de trabalho, disciplina, conversão, cerimónias penitenciais, agora chegou o tempo de descansar na Paixão de Cristo. «Deus amou tanto o mundo que lhe deu o Seu Filho Unigénito» (Jo. 3, 16). Toda a Paixão é sinal do amor de Deus, tornado visível em Jesus Cristo.
A devoção da Semana Santa nasceu da piedade dos primeiros cristãos de Jerusalém, onde Jesus sofreu a sua paixão. Por isso, desde os primeiros séculos, Jerusalém tornou-se lugar de peregrinações para os cristãos que gostavam de visitar os lugares da paixão. Nós participamos nos mistérios de Cristo não apenas com o sentimento ou imaginação, mas antes de tudo com a fé.
2 – O tríduo pascal começa com a missa vespertina da ceia do Senhor, em Quinta-Feira Santa, alcança o seu apogeu na vigília pascal e termina com as vésperas do domingo de Páscoa. Todo este espaço de tempo forma uma unidade que inclui os sofrimentos e a glória da ressurreição. O bispo de Milão, Santo Ambrósio, refere nos seus escritos os «três santos dias» e o bispo de Hipona, Santo Agostinho, nas suas cartas chama-os «os três sacratíssimos dias da Crucifixão, sepultura e ressurreição de Cristo».
A Quinta-Feira Santa está marcada pela instituição da Escritura, «verdadeiro sacrifício vespertino» (cf. 141, 2). O ritual proíbe a celebração da eucaristia sem fiéis e recomenda a concelebração, que confere à cerimónia litúrgica uma nota de eclesialidade eucarística e de unidade entre eucaristia e sacerdócio. A cerimónia sugestiva e humilde do Lava-Pés orienta-se também para a Eucaristia.
Os textos litúrgicos mostram a entrega de Jesus Cristo para a salvação da humanidade. Jesus celebra a Páscoa judia mas oferece o seu corpo e sangue em lugar do cordeiro imolado no Templo, para selar a Nova Aliança. O Lava-Pés é sinal do «amor até ao fim» (Jo. 13, 1). A transladação solene do Santíssimo Sacramento, é um sinal de continuidade entre o sacrifício e a adoração da presença sacramental.
A Sexta-feira Santa da Paixão do Senhor é constituída por uma liturgia austera e sóbria. O centro da celebração é uma «sinaxis» (assembleia litúrgica) não eucarística que na liturgia antiga se chamava «missa dos presantificados». Os paramentos são vermelhos e a liturgia desenvolve-se em três momentos – a liturgia da Palavra, com a leitura do IV cântico do poema do Servo de Deus (Is. 52, 13), a carta aos Hebreus com a passagem do Sumo Sacerdote «causa de salvação para os que lhe obedecem» (Heb. 4, 14), e a Paixão segundo São João, o teólogo místico que vê na cruz a exaltação de Cristo. Às leituras segue-se a oração universal; - a adoração da cruz com a antífona de origem bizantina «adoramos Senhor a vossa cruz… pelo madeiro veio a alegria a todo o mundo» e os impropérios nos quais Jesus reprova a ingratidão do seu povo; - a comunhão com o Pão eucarístico consagrado na tarde de quinta feira santa. A piedade popular gosta de participar na procissão do Enterro do Senhor e comove-se com a presença da Senhora da Soledade acompanhando o seu Filho morto.
A Sexta-feira é um dia de intenso luto e dor mas iluminado pela esperança cristã. A devoção à Paixão do Senhor está fortemente arreigada na piedade cristã. A peregrina Eteria, ao descrever as cerimónias em Jerusalém, por volta do ano 400, diz: «dificilmente podeis acreditar que toda a gente, velhos e jovens, chorem durante essas três horas, pensando no muito que o Senhor sofreu por nós».
A Igreja apresenta grande austeridade, nada distrai o nosso olhar do altar e da cruz, o povo cristão fica vigilante junto à cruz do Senhor e da Virgem da Soledade.
O grande Sábado Santo, é um dia de serena esperança e preparação orante para a ressurreição. Os cristãos dos primeiros séculos jejuavam neste dia como em sexta feira santa, era o tempo em que o esposo os tinha deixado (Mt. 2, 19).
O Ofício Divino é rezado perante o altar desnudado, presidido pela cruz e tem um acento de meditação e repouso. A piedade cristã ora perante a imagem da Virgem das Dores, «ela no grande Sábado, recolheu a fé de toda a Igreja… só ela entre todos os discípulos esperou vigilante a ressurreição do Senhor». (Missa da Virgem Maria).
A Vigília Pascal é uma vasta celebração da Palavra de Deus que continua com o baptismo e continua com a Eucaristia. Os símbolos são abundantes e de uma grande riqueza espiritual – o ritual do fogo e da luz que evoca a ressurreição de Jesus e a marcha de Israel no deserto guiado pela coluna de fogo; a liturgia da Palavra com Salmo e oração, percorrendo as etapas da história da salvação; a liturgia da iniciação cristã que incorpora novos filhos na Igreja; a renovação das promessas do baptismo e aspersão com a água benta que recorda a água do nosso baptismo; por fim a eucaristia que proclama a ressurreição do Senhor, esperando a sua última vinda (1 Cor. 11, 26).
A liturgia convoca de novo os fiéis para o «dia que fez o Senhor» na missa do dia. A piedade cristã realiza a procissão de Cristo ressuscitado, ornamentando as estradas, estalando foguetes, tocando sinos e ao som da música entoa o «Regina coeli» à mãe de Jesus. O Aleluia, que fora suprimido na Quaresma, aparece repetidas vezes em sinal de alegria e vitória, de forma que o Aleluia pascal se tornou a aclamação própria do mistério pascal.
A magnífica liturgia pascal põe em relevo uma nota escatológica que indica a meta para onde nos dirigimos seguindo Cristo e que São Paulo apresenta na carta aos Coríntios: «Sempre que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos a tua morte Senhor, até que venhas» (1Cor. 11, 26).
† Teodoro de Faria, Bispo emérito do Funchal